O rojão é duro, uma semana pesada
de trabalho e no fim de semana tenho que recuperar as forças para continuar
buscando o pão de cada dia no trabalho, para alguns mais jovens ainda dá tempo
para uma cachaça no boteco para ajudar a aliviar a pressão dos encarregados.
Acordar antes do amanhecer,
despedir sem que a companheira acorde, e dar uma rápida olhada nos filhotes. O
percurso ao trabalho não é longo, mas o busão tem que passar em vários bairros
da periferia para pegar meus companheiros de obra.
Em alguns momentos, cansado dessa
vida de cão fico-me comparando com um escravo africano nos tempos do Brasil colônia,
eles tinham os ferros nos punhos e um capataz para obrigá-los. Nós, nesses
tempos modernos temos um PIS e uma carteira de trabalho como amarras e um
cartão de ponto como capataz a fazer que eu cumpra horário. A vigilância no
trabalho não foi substituída, tanto os escravos como nós, também temos
companheiros – escravos pela função – para nos “açoitar” caso façamos corpo
mole.
No canteiro, não temos apenas
homens e mulheres usando seus braços para realizar as tarefas da obra, temos
verdadeiros matemáticos, artistas, cientistas. Em meio aos ferros que precisam
ser dobrados para virar estribos retangulares e triangulares; no preparo da massa
com suas mais diferentes misturas de materiais seja para concreto, levante ou
reboco; os carpinteiros montando com maestria as estruturas de madeira para
receber o concreto, até os andaimes; todos os trabalhos resultando numa bela estrutura
erguida a partir do início do alicerce até o último retoque no acabamento.
Apesar da vida sofrida de peão,
onde temos que escolher entre servir aos patrões nas condições em que não somos
valorizados pelas realizações da construção, colocados numa opção ou isso ao nada.
Acabamos escolhendo isso para poder criar nossos filhos buscando melhores
condições para que eles cresçam e conseguiam uma vida melhor.
Os resultados de nosso trabalho
estão espalhados pelas cidades em forma de ruas, pontes, edifícios etc. Temos
orgulho de passar em frente a um prédio que ajudamos a construir, mesmo que
seja para uso apenas dos patrões, os mesmos dos quais só ouvíamos ou víamos em
raros momentos em que vinha acompanhar o andamento da obra.
Com uma mistura de orgulho,
satisfação e também de raiva, contida para não deixar que nossa família perceba,
apontamos o resultado de tanto sacrifício e ausência na criação dos filhos, um
prédio alto, com uma fachada que reflete nossas caras, não tem como não lembrar
dos versos da música CIDADÃO (Lúcio Barbosa):
Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
(..)
Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
(..)