Um desafio para a sociedade contemporânea é superar a incapacidade da maioria em respeitar e conviver com a diversidade cultural, étnica e racial. Hoje, os ordenamentos jurídicos da maioria dos países possuem mecanismos que coíbem a intolerância e a ação preconceituosa dos indivíduos, entretanto, como veremos no decorrer deste trabalho, trata-se de algo complexo, haja vista a fragilidade de normas vigentes frente ao poder conômico ou ao preconceito dissimulado da maioria das pessoas.Para Ruth Benedict em seu livro O crisântemo e a espada, cultura é como uma lente através do qual o homem vê o mundo.
Num sentido estrito, cultura significa um complexo de padrões de comportamentos, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade.
No imaginário do povo, tal palavra tem variações e sentido ambíguo. Geralmente o termo é empregado para qualificar ou desqualificar uma pessoa, um povo, etc. O antropólogo social Roberto da Matta aborda a temática contrapondo os antagonismos sobre a aplicação cotidiana do termo. Ele pergunta: _ você tem cultura? É rotina ouvirmos ou até afirmarmos que fulano não tem cultura, ou que cicrano tem cultura. Neste contexto a palavra cultura pode ser invocada para justificar superioridade ou inferioridade. Mas será que existem culturas superiores ou melhores que as outras? Se analisarmos do ponto de vista do senso comum, sim. Mas se fizermos uma análise racional ou filosófica, veremos que isto é mero contrassenso. Cada povo desenvolveu seus hábitos e costumes no tempo e no espaço. Todos eles, nos diferentes espaços que viveram ou vivem conseguiram criar meios de se comunicar e sobreviver frente às intempéries que os cercavam. O que se depreende é que o termo cultura tomou uma conotação ideológica ao longo do tempo. Estava refletindo sobre isto pegando como exemplo a chamada linguagem culta considerada atualmente no Brasil, ora, a língua portuguesa não derivou da língua falada pela aristocracia romana. As línguas neolatinas, entre elas o português, derivaram do latim vulgar. O reforço negativo e discriminatório ganha contornos maiores, sobretudo pela insipiência, a falta de conhecimento do povo sobre a suas próprias origens e história. Cultura neste contexto não virou somente sinônimo de status, mas em ideologia para os que pensam em perpetuar a dominação do homem pelo homem.
A sociedade alicerçada na divisão de classe sempre criou e criará meios para justificar a desigualdade de condições entre os membros da mesma e assim perpetuar seus valores e consequente existência. Os romanos se consideravam a luz contra a barbárie do mundo antigo. Para eles, suas leis, seu modo de agir e pensar deveriam ser seguidos em todas as áreas que o império alcançasse o domínio. Ainda hoje, os descendentes da nobreza feudal ver diferença até na cor do sangue. Na Inglaterra, o fato de estudar em Oxford, o sotaque, ou a maneira de tomar o chá, difere os indivíduos naquele país. O que chama atenção é que desde a antiguidade clássica as camadas subalternas assimilam essa “ideologia” ou preconceitos. É comum nos dias atuais, pessoas da parcela mais pobre da sociedade querer se comportar como as pessoas mais ricas, seja no modo de falar, vestir ou até de pensar. Desta forma o status quo se perpetua.
A questão da Xenofobia.
No final do século XV, os europeus estenderam seu domínio para o que hoje denominamos de América. Quando aqui chegaram, encontraram povos que viviam aqui há milhares de anos. Os europeus passaram a denominar de índio todo habitante da América, independentemente da língua, dos costumes e tradições dos vários povos que aqui viviam. Para eles, os indígenas eram hereges, preguiçosos e sem cultura. Os europeus serviam-se de sua religião, costumes e tradições para julgar outros povos. Agiam assim de forma etnocêntrica. Mas o que é o etnocentrismo? Etnocentrismo, etimologicamente quer dizer: etino-povo e centrismo-centro. Neste contexto, o etnocentrismo é a tendência que alguns povos têm em colocar seus hábitos, costumes e crenças como superiores a dos demais povos. Mas será que o etnocentrismo se restringe apenas aos europeus? Não. Cultura é um fenômeno universal. A própria noção de que a sociedade é o centro da humanidade denota o que citamos anteriormente. Todos os impérios do passado fizeram uso do etnocentrismo para subjugar e justificar a exploração sobre outros povos. Na atualidade, em espaços distintos da terra, povos que tem uma origem comum, mas que por motivos de técnicas e sobrevivência, desenvolveram-se em espaços naturais os geográficos diferentes, têm sua visão comum sobre suas culturas. Os países ocidentais creem piamente que o modelo de desenvolvimento socioeconômico proposto por eles é o único certo a ser seguido por todos. Na Ásia menor, ou Oriente Médio para os europeus, muitos creem que o domínio de uma determinada religião sobre o globo terrestre é solução para a humanidade.
A multiplicação dos preconceitos culturais
À luz dos ordenamentos modernos sobre os direitos fundamentais humanos que primam pela igualdade, à liberdade e a fraternidade universal entre os povos, pode levar à “crença” de um status civilizatório integral. Acontece que muito do que está no papel foi conquistado a ferro e fogo por aqueles que desacreditaram ou perceberam a nudez dos discursos do rei em períodos distintos da história. Neste contexto, as constituições ocidentais têm sido promulgadas com contradições entre o conservadorismo e o progresso cultural. Elas coagem e inibem atitudes, mas não impedem que “novos” preconceitos surjam. Algo constrangedor, mas também cômico, ocorreu quando cheguei ao sudeste paraense e me deparei como o modo que as pessoas daqui se referem ao povo maranhense. Pensei xenofobia na Amazônia? Entre pessoas que historicamente são subjugadas e que deveriam repudiar qualquer forma de preconceito? Paulo Freire, renomado educador brasileiro falava da auto desvalia, ou seja, a tendência que os povos oprimidos têm para imitar os valores do opressor em detrimento dos seus.
Nitidamente tal postura e atitude de boa parte da população local foram criadas não por eles, que apenas a assimilaram diante da compreensão simplória do desenvolvimento da trama social, mas por aqueles que chegaram em outros tempos para explorar as riquezas naturais da Amazônia, que para justificar a sanha sedenta por riqueza, tratavam a população nativa como preguiçosa. Atualmente, empresas multinacionais e grileiros do centro-sul, favorecidos pela própria estrutura de poder local e federal são exploradores e causadores de problemas em várias partes na Amazônia ou no cerrado. O que dizer da famigerada lei Kandir?
Os romanos consideravam bárbaros todos os povos que subjugavam. A igreja medieval taxava de hereges que questionasse seus dogmas. A Alemanha nazista se intitulou seu povo como uma raça superior. Atualmente a xenofobia se expande entre povos que foram “desovados” em um passado recente. A Europa que no passado espalhou seus pobres pelo mundo, hoje, se nega a recebê-los no seu território. O padeiro francês e o imigrante italiano que fugiram da miséria, encontraram trabalho e aconchego no sul do Brasil, hoje, reinventaram um passado e proliferam ideias preconceituosas contra nordestinos, negros, etc. Nos Estados Unidos, pasmem! Alguns membros da população negra têm movimentos organizados contra a presença de latino americanos naquele país.
Atualmente, o maior desafio da sociedade global é aprender a conviver respeitando a diversidade cultural, étnica e racial, coisa que me parece ainda distante de ser alcançada, ainda mais em um modo de produção que tem na desigualdade o pilar de sua sobrevivência reforçando-a de forma explicita e implícita cotidianamente.
Claudio Pereira é Geógrafo, professor e estudante de Direito da UFPA