quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O LICEU MARANHENSE: resquícios da escola pública de qualidade na memória coletiva

O LICEU MARANHENSE: resquícios da escola pública de qualidade na memória coletiva

Paulo Rios – Doutor em Políticas Públicas, Servidor do TRT-MA e Professor da Faculdade São Luís

Para alguns, a modernidade capitalista transformou o homem em um ser insensível e sem memória, levando à destruição de valores concretos. Para outros, a sociedade moderna deve se contrapor a isso, revalorizando a tradição, para transmitir e preservar a memória, o passado. Afinal, manter viva a memória de um povo, é dar sentido e significado à sua existência, é uma forma de guardar a tradição, incentivando a lembrança do passado através da narração e da experiência do cotidiano social.

A lembrança está relacionada a elementos subjetivos da relação da pessoa com a família, com a classe social a que pertence, com a escola. Na maioria das vezes lembrar não é apenas reviver, mas, acima de tudo, refazer, reconstruir, repensar com imagens e representações de hoje as experiências vivenciadas no passado e tentar dialogar com o presente.

O Centro de Ensino Médio “Liceu Maranhense” fundado em 1838, pelo presidente da província Vicente Tomaz Pires de Figueiredo Camargo é um exemplo dessa memória da boa escola pública. O “Liceu” se constituiu, ao longo da história, como a principal referência de qualidade do ensino para a sociedade, local de encontro de inúmeras gerações de personalidades que se notabilizaram na cena social, política, econômica e cultural não apenas do Maranhão, mas também da nação brasileira, a exemplo do poeta Sousândrade, dos escritores Aluísio Azevedo e Josué Montello, do geógrafo e escritor Antonio Lopes, do professor e historiador Jerônimo de Viveiros, do professor Nascimento Moraes, do professor Luiz Viana, do escritor Herbert Santos, da professora e historiadora Lourdinha Lauande. Deve ser ressaltado que ao longo de sua história, o Liceu Maranhense foi um centro fundamental na formação de várias personalidades integrantes das famílias que detém o poder econômico e político no Estado, como é caso de José Sarney, chefe da longeva facção oligárquica que leva o seu nome e outros a exemplo do ex-senador Clodomir Cardoso.

Num contraponto ao imaginário social da escola pública de qualidade localizada no passado, nos recônditos da memória, o Liceu Maranhense viveu, a partir de meados da década de 1960, um forte crescimento em termos de matrícula em decorrência do processo de massificação do ensino, com a entrada dos setores excluídos da sociedade.

Neste processo os governos vinculados à Ditadura Militar e na órbita do sarneísmo levaram a escola pública ao sucateamento e perda de qualidade, refletido na falta de material didático, bibliotecas, democracia, salários dignos aos professores, dentre outras deficiências institucionais, gerando, por conseguinte, elevadas taxas de repetência e de evasão da escola, no quadro geral de péssimos indicadores educacionais que teimam em macular essa história guardada nos labirintos da memória individual e coletiva de nossa terra.

A centralidade do Liceu Maranhense no conjunto da educação ao longo das últimas décadas se coaduna com o processo político criado no seio da sociedade brasileira no sentido de cobrar do Estado a democratização do ensino, na perspectiva de que todos venham a ter o direito assegurado a uma escola pública de boa qualidade, direito este assegurado na Constituição do país.

A guarda dessa memória individual da escola pública de qualidade é sempre formada no coletivo, ou seja, no contato com a sociedade de convívio dos indivíduos, com suas tradições. A partir dos estudos sobre a memória individual e coletiva e através da história oral, pode-se analisar esta realidade, reconstruindo a memória do “Liceu”, “velha e boa” escola pública, lugar de conhecimento e formação das elites dirigentes do Maranhão e que ainda hoje faz questão de guardar e tentar manter este status.

Neste caso concreto que se refere ao à história e memória do Liceu Maranhense, a oralidade nos estudos históricos nos leva a obter informações e análises partindo de fontes novas; por isso a oralidade se torna um espaço de contato e influências interdisciplinares e oferece interpretações qualitativas de processos histórico-sociais. O recurso da oralidade para o conhecimento das vivências dos ex-alunos do Liceu Maranhense tem possibilitado que estes personagens da história da educação transmitam seus modos de ver o mundo e a sua história pessoal e a permanência da memória da escola pública de qualidade no contexto de sua formação cultural e ética e nos desdobramentos que tal formação teve para a própria sociedade.

Na reiterada menção ao papel histórico que o Liceu Maranhense cumpriu nestes 170 anos, observamos que a simbologia e a memória da antiga escola pública levam em conta os processos de luta desenvolvidos pelos educadores vinculados à renovação política do magistério com perfil combativo nas últimas décadas do século XX a partir de movimentos de base a exemplo do Movimento de Oposição na Educação Pública do Maranhão (MOSEP) e, mais recentemente, do Movimento de Resistência dos Professores na pressão permanente sobre o governo estadual, hoje nas mãos de Roseana Sarney, cuja ação política em seus governos sempre foi nefasta para a educação pública.

Para que a educação pública saia da situação de abandono e descaso em que se encontra, com péssimos indicadores educacionais, é preciso conectar a memória social oriunda dos professores, diretores, funcionários e alunos do Liceu Maranhense e do conjunto das escolas estaduais e municipais à luta pela construção de uma escola pública democrática e de qualidade social, capaz de oferecer o melhor de si para os maranhenses e seus filhos.

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